22/03/2011

Rosane Silva: “Buscamos construir de fato uma equiparação de direitos sociais e políticos entre homens e mulheres”

Para Rosane Silva, secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, muitas das dificuldades enfrentadas pelas mulheres no Brasil está na cultura machista da sociedade brasileira, a qual durante anos permitiu inúmeras práticas de discriminações e de violência contra elas.

Em entrevista à FETEC-CUT/SP, Rosane, fala das lutas cutistas contra essa situação, reconhece os avanços, mas frisa a necessidade de seguir com as mobilizações por políticas públicas que possam assegurar uma sociedade verdadeiramente igualitária entre homens e mulheres.

FETEC-CUT/SP - Como você avalia o atual estágio da luta das mulheres trabalhadoras no Brasil?

 Rosane Silva - A CUT e o conjunto das suas instâncias e entidades filiadas têm cumprido um papel fundamental no processo de democratização do país. Têm avançado na organização e na mobilização dos trabalhadores e das trabalhadoras, na defesa de seus direitos de classe, e também no reconhecimento de que há diversas formas de discriminação e que – para além da exploração de classe – há a opressão de gênero e de raça/etnia que estruturam nossa sociedade, e que, infelizmente, também se expressam e são reproduzidas pela classe trabalhadora.

Atualmente, as mulheres são 51% da população brasileira. Constituem, aproximadamente, 46% do mercado de trabalho e são responsáveis pelo sustento de mais de um terço das famílias no Brasil. Todavia, elas também são as mais atingidas pelo desemprego, pela precarização do trabalho, têm presença expressiva no segmento informal e desprotegido do mercado de trabalho e vivem de forma ainda mais grave a pobreza.

Mesmo com o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho, o aumento de sua importância econômica na responsabilidade pelo sustento da família e o seu destaque profissional em vários setores, a sociedade brasileira ainda revela fortes traços do modelo patriarcal machista. Isto significa dizer que a entrada das mulheres no mercado de trabalho não está sendo acompanhada, por exemplo, de um compartilhamento das tarefas domésticas. A sobrecarga de trabalho está cada vez maior para as mulheres.

Mas, avançamos em questões vistas anteriormente como individuais das mulheres, que passaram para o espaço público, como, por exemplo, aconteceu com a questão da violência doméstica, mas o maior desafio continua sendo de construirmos de fato uma equiparação de direitos sociais e políticos entre homens e mulheres.

 

FETEC-CUT/SP - Dentre os temas de mobilização da CUT neste ano está a valorização do salário mínimo. De que forma uma política pública neste sentido pode contribuir para a luta das mulheres?

 Rosane Silva - O salário mínimo é um instrumento poderoso de distribuição de renda, e para a CUT, a redução das desigualdades entre homens e mulheres passa também por uma política de valorização permanente do salário mínimo. Isto porque tanto homens quanto mulheres são beneficiários desta política, porém as mulheres (especialmente as jovens) são mais impactadas, pois são a maioria das que recebem até dois salários. Oito em cada dez mulheres ocupadas no mercado de trabalho brasileiro recebem atém dois salários mínimos. A CUT considera uma vitória e continuará pressionando o Congresso Nacional para garantir em Lei a atual política de valorização do salário mínimo, que é fruto da nossa luta. 

FETEC-CUT/SP - A CUT também está engajada em pressionar o poder público por creches e escolas públicas em tempo integral. Essa é uma forma de facilitar a permanência das mulheres no mercado de trabalho?

 Rosane Silva - Uma política pública básica para o acesso e permanência das mulheres no mercado de trabalho é a garantia de creches e escolas públicas em tempo integral. A creche é um direito da criança e da família e responsabilidade do Estado e sua existência significa a recusa ao atual modelo que reforça a responsabilidade individual das mulheres pelo cuidado com as crianças.

 A creche pública nos locais de moradia, seja no campo ou na cidade, possibilita às crianças conviverem no ambiente na qual ela está inserida e possibilita às pessoas responsáveis pelo seu cuidado participarem integralmente da vida pública, seja no trabalho, na política, na cultural ou no lazer. Especialmente no caso das mulheres que precisam conciliar o cuidado com as crianças, as tarefas domésticas e o trabalho formal, a ausência de creches públicas traz prejuízos pessoais e profissionais. Atualmente o número de creches públicas atende somente 11% do total de crianças de zero a três anos, segundo dados do Ministério da Educação. A luta pela ampliação das creches públicas, com qualidade, é uma reivindicação histórica das trabalhadoras.

FETEC-CUT/SP - Por que o compartilhamento das responsabilidades familiares pode colaborar com o combate às discriminações no ambiente de trabalho? Qual o instrumento para isso?

 Rosane Silva - O tema da responsabilidade familiar é um assunto que nos toca cotidianamente. As dificuldades enfrentadas por trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares são aspectos de questões amplas relativas à família e à sociedade que devem ser levados em conta nas políticas nacionais.

A Convenção 156 exige que sejam oferecidos a homens e mulheres com responsabilidades familiares o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades dadas àqueles que não as têm. Por isso a CUT está na luta pela ratificação dessa Convenção pelo Poder Executivo e pelo Congresso Nacional. Isso é importante porque se o país ratificar esta Convenção significa que se comprometerá formalmente a colocar ações de igualdade de oportunidades para homens e mulheres com responsabilidades familiares como objeto de política pública nacional.

Do nosso ponto de vista, com isso haverá um impacto positivo nas condições de vida de trabalhadores e trabalhadoras, afinal os problemas enfrentados pelos trabalhadores se agravem quando têm responsabilidades familiares. É fundamental lutar para que trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares possam ter emprego ou ocupação sem ser objeto de discriminação e conflito com as suas responsabilidades familiares;

As disposições da Convenção 156 podem ser aplicadas por via legislativa, convenções coletivas, regulamentos de empresas, laudos arbitrais, sentenças judiciais, pela combinação destas medidas ou qualquer outra forma apropriada a cada país e sua ratificação afetará homens e mulheres, mas certamente terá um impacto maior com as mulheres, que no conjunto dos trabalhadores são as mais responsabilizadas pelas tarefas familiares.

FETEC-CUT/SP - Além de trabalhar com a ideia de igualdade de oportunidades na vida e no trabalho, neste ano, a CUT chama a atenção para a necessidade de se buscar também a igualdade no movimento sindical. Como a central pretende alcançar essa meta?

 Rosane Silva - Entendemos que a igualdade de fato entre homens e mulheres deve passar tanto nas questões mais gerais da sociedade, na vida privada, quanto pelo mercado de trabalho e na participação política, seja internamente ao movimento sindical, seja no geral da sociedade. No movimento sindical, a participação das mulheres vem crescendo, mas muito lentamente, e ainda são poucas que conseguem atingir os cargos com maior poder.

Em nossa campanha destacamos três pontos fundamentais para a igualdade no movimento sindical. O 1º refere-se à política de cotas, que orientamos que deva ser cumprida por todos sindicatos, em todas as atividades, com a presença de um mínimo de 30% de gênero. Outro ponto é a questão da formação sindical, especialmente para a negociação coletiva. As trabalhadoras devem estar presentes nas mesas de negociação coletiva, levando suas demandas e participando ativamente de todas as ações do sindicato. O 3º ponto é a necessidade da garantia de mecanismos nas estruturas das organizações sindicais (sindicatos, confederações, federações e CUT´s Estaduais) que viabilizem e facilitem a participação das mulheres nas atividades das entidades, a exemplo de creches nos locais das atividades e mudanças nos horários, para que assim possamos aumentar em quantidade e qualidade a participação das mulheres no movimento sindical.

A classe trabalhadora é composta por homens e mulheres e o movimento sindical para ser representativo também deve refletir esta composição, ou seja, tem que ser um movimento construído igualmente por homens e mulheres.

FETEC-CUT/SP - No que se refere ao combate à violência contra as mulheres, como você vê o horizonte?

 Rosane Silva - A violência contra as mulheres é um grave problema de nossa sociedade. Ela ocorre em casa, na rua, nos locais de trabalho e explicita o machismo, a vontade dos homens em tratar as mulheres como objeto e subordinadas a eles. No âmbito doméstico, a Lei Maria da Penha (Lei Nº 11.340/2006) é uma grande conquista, pois reconhece a violência como crime e não como assunto privado. Porém, são necessárias a implantação e ampliação de políticas públicas de combate e prevenção destas práticas.

Nos locais de trabalho, o assédio moral e sexual são outras formas de violência contra as mulheres que precisam ser combatidas. Nossa Central tem uma campanha que afirma: “Violência contra as mulheres, Tolerância Nenhuma!” e este foi um dos eixos que trabalhamos no Dia Internacional das mulheres deste ano. A violência é uma questão difícil de combater, mas acreditamos que quanto mais as mulheres constroem laços de solidariedade entre si, quanto mais estão cientes de seus direitos, das leis que garantem uma vida digna a elas, quanto mais elas podem construir sua autonomia econômica e sua independência financeira, mais elas têm possibilidades de evitar e livrarem-se de uma situação de violência sexista. Por isso também que o tema do combate à violência doméstica é pauta fundamental do movimento sindical. 

FETEC-CUT/SP - Na sua avaliação, o governo Dilma abre novas perspectivas para as mulheres alcançarem a verdadeira autonomia econômica, social e política?

 Rosane Silva - A vitória de Dilma é um marco político para o movimento feminista e o movimento de mulheres. Prova ao mundo que é possível estarmos em todos os espaços. Sem dúvida faz parte da história da participação das mulheres na política brasileira e é uma vitória de todas as mulheres. É uma demonstração de que podemos estar em espaços de poder que eram considerados exclusivos dos homens.

Nós apostamos nesse governo, mas somos conscientes de que existe uma disputa muito grande de diferentes visões e interesses em jogo. Temos a certeza de que para a 1ª presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, honrará seu compromisso assumido com as mulheres brasileiras, da nossa parte, será preciso muita luta, mobilização e um processo constante de diálogo.

Importante mencionar o diálogo com a sociedade civil que continuará ocorrendo com este governo. Especificamente no caso das mulheres trabalhadoras, teremos a realização de duas Conferências Nacionais fundamentais, a do Trabalho Decente e a de Políticas para as Mulheres. A CUT faz parte da Comissão que irá construir cada uma destas Conferências que são estratégicas para avançarmos nas deliberações que deverão ser base de pressão dos movimentos sociais e sindical a todos os níveis de governo para avançarmos na igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Fonte: Fetec-CUT/SP


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