13/11/2017

Reforma trabalhista entra em vigor sem “compensações” prometidas por Temer

Aprovada em julho de 2017 pelo Senado Federal – sem alterar a precarizantes proposta enviada pela Câmara dos Deputados, a nova legislação trabalhista passou a vigorar neste sábado, dia 11.

Combatida e rechaçada por todo o movimento sindical, a reforma trabalhista traz danos e retrocessos significativos aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.

A Lei 13.467/17 alterou mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sob o falso argumento de modernizar as relações de trabalho para gerar emprego e retomar o crescimento econômico. No entanto, as propostas chegaram a retirar direitos já garantidos e consolidados.

Tornada realidade – há uma campanha em curso para angariar adesões a um abaixo-assinado para um projeto de iniciativa popular que a revogue –, a lei exigirá nova postura dos sindicatos, em momento ainda mais adverso pela provável perda de recursos de custeio. Mais conversa com o trabalhador, mais ação dentro dos locais de trabalho, algo que as empresas, historicamente, sempre buscaram evitar.

Um dos primeiros testes foi enfrentado pelos trabalhadores no setor químico do estado de São Paulo. Sindicatos da categoria ligados à CUT, à Força Sindical e à Intersindical se uniram para realizar uma campanha conjunta. Do lado empresarial, uma lista com pelo menos 15 itens para mexer na convenção coletiva, já pensando na nova lei, que entra em vigor justamente no mês da data-base dos químicos.

Unidos, eles conseguiram reajuste com base na variação integral do INPC e a manutenção de todas as cláusulas. Foi montado um grupo de trabalho bipartite para, ao longo do próximo ano, avaliar os impactos das mudanças na legislação. O acordo foi assinado na semana passada.

Para o coordenador político da Fetquim, a federação do setor químico ligada à CUT, Airton Cano, os desafios vão exigir muita "capacidade intelectual" e mobilização – na porta e dentro da fábrica. "O sindicalista que não estiver interagindo nesse processo vai ter problema no ano que vem. Não pode ficar esperando acontecer, tem de antecipar movimentos", avalia.

Ele observa que os empresários iniciaram as negociações neste ano já com disposição de mexer na convenção. "As empresas já estão querendo aplicar alguns pontos da reforma trabalhista", diz, citando o trabalho temporário. Algo que irá exigir maior compreensão e análise do processo produtivo.

Também haverá uma "disputa" intensa pelo trabalhador, a quem os sindicatos terão de enfatizar o risco que representa a nova lei, em termos de perda de direitos e da importância da convenção coletiva. "Cada cláusula, cada vírgula, foi muito difícil de colocar lá. A premissa é que tem manter todas", diz Airton.

Os metalúrgicos da CUT em São Paulo também conseguiram fechar acordos garantindo reajuste salarial pela inflação. E introduziram uma "cláusula de salvaguarda" contra a reforma trabalhista, prevendo que nenhuma mudança seja feita sem negociação prévia.

Quem está em plena negociação são os petroleiros, que têm data-base em 1º de setembro. "A retirada de direitos também está na pauta da gestão da empresa e vem sendo duramente combatida pela FUP, que vem alertando a categoria desde o início da campanha reivindicatória de que o Acordo Coletivo terá o tamanho da luta dos petroleiros", diz a Federação Única dos Petroleiros.

Para o presidente da Fitmetal, federação interestadual dos metalúrgicos ligada à CTB, Marcelino Rocha, cabe aos sindicatos impor-se como "principal defensor" dos trabalhadores. "É necessário intensificar a organização no local de trabalho, dialogar de modo mais direto e frequente com as bases, investir em campanhas de sindicalização e, acima, de tudo, propor saídas consequentes à crise, que levem em conta os interesses dos trabalhadores", afirma o dirigente em entrevista à revista Princípios.

Reivindicações atendidas

Uma breve leitura do documento 101 Propostas para Modernização Trabalhista, elaborado pela CNI em 2012, mostra o quanto governo e Congresso incorporaram sugestões da indústria no projeto que virou lei em julho. Na ocasião, a presidenta Dilma Rousseff, ainda no primeiro mandato, recebeu o documento em evento da entidade, e respondeu que a redução dos custos da produção prioridade do governo, mas – “diferentemente do contexto internacional” – sem redução de direitos dos trabalhadores.

Depois da deposição de Dilma por um golpe parlamentar, vários itens do documento foram parar na Lei 13.467, como prevalência do negociado sobre o legislado, mais espaço para negociação individual, intervalo intrajornada, ultratividade das normas coletivas, jornada 12x36, terceirização, horas in itinere e divisão das férias, entre outros. (Confira ao final deste texto alguns pontos da nova lei.)

Assim, o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI, Alexandre Furlan, celebra a "guinada substancial" das relações do trabalho no Brasil a partir deste sábado, vendo na nova lei uma conciliação da "função protetora do trabalho com a sustentabilidade empresarial e a competitividade da economia". Mas, segundo ele, a implementação será feita de maneira cautelosa: "Vamos apoiar a inserção da lei de maneira sensata, buscando o equilíbrio e a valorização da negociação coletiva".

Airton, da Fetquim, lembra que a ofensiva neoliberal não se limita ao Brasil. Neste momento, a Argentina de Mauricio Macri também discute mudanças nos campos trabalhista e previdenciária. "Em alguns aspectos, lembra a (reforma trabalhista) brasileira", diz o secretário-geral da CGT argentina, Juan Carlos Schmid, em entrevista publicada ontem (9) no jornal El País. O sindicalista lembra que lá o governo não tem maioria parlamentar e prevê mais resistência.

Enquanto protestam contra a Lei 13.467, centrais e sindicatos tentam se preparar para as próximas negociações, em novo cenário, e também miram a ainda não abandonada reforma da Previdência, via proposta de emenda à Constituição (PEC) 287. Um "absurdo anunciado, que avilta, rebaixa e desdenha dos nossos direitos dos trabalhadores", define o presidente da UGT, Ricardo Patah. "Ano que vem tem eleição: toda a sociedade precisa se unir para vetar a reforma previdenciária, que assim como a nova lei trabalhista é uma verdadeira violência contra os trabalhadores."

"A reforma trabalhista de Temer alterou 100 itens da CLT, todos em benefício dos empresários e prejudiciais à classe trabalhadora", afirma o presidente da CUT, Vagner Freitas. "Temer legalizou o bico e promoveu um retrocesso de mais de 70 anos nas relações de trabalho no Brasil. Vamos denunciar na OIT e em todas as redes sociais e nos nossos sites o desmonte dos direitos trabalhistas e os deputados e senadores que votaram a favor dessas medidas criminosas."

Segundo o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, que espera de 15 mil a 20 pessoas amanhã cedo na Praça da Sé (região central de São Paulo), diz que o ato será em repúdio à Lei 13.467 e também uma "preparação para o debate que virá sobre a Previdência". Ele afirma que o movimento sindical se prepara para uma paralisação nacional no dia em que o Congresso fixar uma data de votação da PEC.

As mudanças legais também provocaram polêmica no mundo jurídico – a controvérsia aumentou depois que o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, defendeu a nova lei e voltou a criticar suposto "protecionismo" do Judiciário. Editoriais saíram em defesa de Gandra, enquanto magistrados questionaram o posicionamento. 

A Anamatra, associação nacional da magistratura trabalhista, lembra que a Lei 13.467 entra em vigor "ainda envolta em ambiente de acirrada controvérsia, em todos os nichos sociais e especialmente no âmbito jurídico, mercê dos inúmeros preceitos que suscitam dúvidas de convencionalidade e de constitucionalidade". Mas acrescenta que a discussão nas Varas do trabalho e nos tribunais não será "caudatária", mas decorrente "dos próprios defeitos e imprecisões inerentes à lei aprovada". Ou seja, exigirá interpretações, o que não significa recusa à aplicação da lei.

A entidade lembra que em momento algum "propôs 'boicotes', 'sabotagens' ou 'guerrilhas' de qualquer ordem, para empregar algumas das infelizes designações veiculadas por setores diversos da mídia escrita". E acrescenta que a própria Anamatra, juntamente com  ANPT (associação dos procuradores), Abrat (advogados trabalhistas) e o Sinait (auditores-fiscais), ao avaliar os possíveis cenários e apontar dúvidas, apenas refletem a realidade: "Não a criam, em absoluto".

"A lei não traz segurança jurídica", diz o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, que abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista), Wilson Fernandes, refutando um argumento usado repetidamente pelo governo e por entidades empresariais. "Cria uma nova ordem, oposta à que sempre tivemos, que tinha como pano de fundo a proteção ao trabalhador (considerado a parte mais fraca). A nova lei elimina esse pressuposto. Suscita muita dúvida de interpretação", acrescenta. "É preciso que a jurisprudência se pacifique, e isso vai demandar muito tempo."

Veja abaixo as principais alterações promovidas pela nova legislação trabalhista.

Horas In Itinere

As horas gastas no transporte da empresa, que antes eram pagas como jornada de trabalho, deixam de ser pagas aos trabalhadores. O benefício era garantido para locais de difícil acesso ou não servido de transporte público.

Tempo na empresa

As horas em descanso, estudo, alimentação, higiene pessoal e troca de uniforme deixam de ser contabilizadas na jornada de trabalho. Agora, será jornada de trabalho apenas o período efetivamente trabalhado.

Intervalo

A hora do intervalo de descanso e alimentação da jornada de trabalho foi reduzido. Com a nova lei, ele pode ser de apenas 30 minutos se negociado entre trabalhador e empresa. Antes, a lei considerava uma hora o tempo mínimo de refeição.

Rescisão

A partir de agora, nenhuma rescisão contratual precisa ser feita com assistência do sindicato. Antes, contratos com mais de um ano precisavam ser homologados com a assistência sindical ou do Ministério do Trabalho para resguardar os direitos.

Rescisão por acordo

Será permitido a rescisão de comum acordo entre empresa e empregador. Nestes casos, o trabalhador receberá metade do valor do aviso prévio e até 80% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), mas não terá direito ao seguro-desemprego.

Representantes dos trabalhadores

As empresas com mais de 200 empregados deverão ter uma comissão de representantes para negociar com o empregador sem a exigência de participação do sindicato da categoria. Poderão ainda ser eleitos trabalhadores sindicalizados ou não desde que não sejam temporários, com contrato suspenso ou estejam em aviso prévio.

Quitação anual

A partir de sábado, os trabalhadores assinarão uma quitação anual de débitos onde declaram ter recebido todas as obrigações trabalhistas da empresa tais como horas extras e adicionais devidos. Esta medida tem como objetivo resguardar a empresa e protegê-la contra cobranças via justiça do trabalho após demissão de trabalhadores. Tais cobranças de forma judicial compõe o maior contingente de processos na Justiça do Trabalho, atualmente.

Salários altos

Os trabalhadores com salários acima do dobro do teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (cerca de R$ 11 mil) perdem o direito de ser representados pelo sindicato e passam a ter relações contratuais negociadas individualmente.

Negociação direta

A legislação deixa de ser o mínimo de proteção garantida aos trabalhadores. O chamado negociado sobre o legislado permitirá que trabalhador e empresa negociem quaisquer condições de trabalho, mesmo que desvantajosas ou diferentes ou abaixo da atual legislação.

Jornada de Trabalho

O padrão da jornada de trabalho diário deixa de ser 8 horas. Com a nova lei, trabalhadores poderão ter jornadas diárias acima das 8 horas sem receber horas extras.

Férias

Poderão ser divididas em até três períodos sendo a maior com, no mínimo, 14 dias e as demais com, pelo menos, 5 dias.

Trabalho Intermitente

Antes, esta modalidade de trabalho não era permitida no país. No entanto, com a nova lei será possível contratar o trabalhador por horas ou dias, sem vínculo trabalhista e sem garantia de salário mínimo. O trabalhador receberá equivalente ao que trabalhar gerando uma drástica redução dos recebimentos salariais.

Contribuição sindical

A partir de agora, o trabalhador deve escolher pagar a contribuição e, para tanto, deve se manifestar por escrito para que o desconto seja efetivado.

Trabalho remoto/ tele-trabalho

Integra na nova lei, como forma de trabalho, o trabalho realizado na modalidade home-office, ou seja, feito em casa. A forma de remuneração e responsabilidades com as despesas serão negociadas entre trabalhador e empregador.

Trabalho parcial

Ampliou a jornada de tempo parcial, que passa a ser de até 30 horas semanais sem horas extras ou de 26 horas semanais com acréscimo de até 6 horas extras.

Gestante e Lactante

Com a nova lei, gestantes e lactantes poderão trabalhar em locais insalubres de grau mínimo e médio. As gestantes serão afastadas apenas das atividades insalubres de grau máximo. Já as lactantes, só serão afastadas se um atestado médico exigir o afastamento.

Autônomo exclusivo

A nova lei cria a figura do trabalhador autônomo exclusivo, que presta serviço apenas para um único empregador de forma contínua sem estabelecer vínculo empregatício.

Fonte: CUT e RBA, com edição de Seeb Catanduva

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