21/10/2025
Desigualdades e o mundo do trabalho

*Por Clemente Ganz Lúcio
As desigualdades sociais constituem um traço histórico e estrutural da formação econômica e social brasileira. Desde o período colonial, a distribuição desigual de terras, poder e renda consolidou uma sociedade marcada por assimetrias persistentes. Apesar de avanços institucionais e democráticos nas últimas décadas, as desigualdades permanecem como um dos principais entraves ao desenvolvimento nacional.
O Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025, produzido pelo Pacto de Combate às Desigualdades, evidencia esse quadro, oferecendo uma síntese abrangente de indicadores econômicos e sociais que revelam, ao mesmo tempo, progressos importantes e a persistência de iniquidades profundas.
Este artigo busca examinar como essas desigualdades impactam o mundo do trabalho, analisando os efeitos sobre o emprego, os salários, a informalidade e as oportunidades produtivas, e discutindo o papel do Estado e das políticas públicas na redução dessas disparidades.
Desigualdades estruturais no Brasil
As desigualdades brasileiras estão enraizadas em processos históricos de exclusão social e econômica. O legado escravocrata e a tardia urbanização moldaram um padrão de concentração de renda e de acesso desigual a direitos.
O Relatório de 2025 confirma que, embora o rendimento médio tenha crescido 2,9% entre 2023 e 2024, a renda dos 1% mais ricos ainda é 30,5 vezes superior à dos 50% mais pobres.
Essas disparidades são reforçadas por um sistema tributário regressivo, que penaliza os mais pobres e beneficia as faixas de renda mais altas. Ao longo das últimas décadas, políticas de transferência de renda e valorização do salário mínimo reduziram parcialmente a pobreza, mas não alteraram substancialmente a estrutura de concentração de riqueza.
As desigualdades no mundo do trabalho
O mercado de trabalho é um dos principais espelho das desigualdades estruturais. O Relatório mostra que a taxa de desocupação caiu para 6,6% em 2024, com melhora significativa entre mulheres e população negra. Entretanto, as diferenças permanecem elevadas: as mulheres recebem em média 73% do rendimento masculino, e as mulheres negras apenas 43% da renda dos homens não negros.
Essas desigualdades estão associadas à segmentação ocupacional, à informalidade e às barreiras de acesso à qualificação e à progressão profissional. Mesmo com o aumento do rendimento médio e a ampliação do emprego formal, a qualidade do trabalho e a proteção social ainda carecem de fortalecimento. A OIT e o Dieese têm reiterado que a informalidade e o subemprego continuam sendo fatores de vulnerabilidade social e econômica no País.
Gênero, raça e território: interseções da desigualdade
As desigualdades de gênero e raça estruturam o mercado de trabalho brasileiro. A interseccionalidade dessas dimensões mostra que as mulheres negras permanecem nos postos mais precários e com menores salários.
O Relatório revela que o rendimento das mulheres negras, embora tenha crescido 5,2% em 2024, ainda é menos da metade do dos homens não negros. A exclusão educacional e a violência institucional agravam esse quadro.
No campo territorial, persistem profundas disparidades regionais: o Nordeste e o Norte concentram as piores taxas de emprego, menores rendimentos e maior informalidade. As desigualdades regionais também refletem desequilíbrios na infraestrutura, no investimento público e nas políticas de desenvolvimento regional.
Políticas públicas e o papel do Estado
A redução das desigualdades exige políticas públicas robustas, com foco na redistribuição de renda, na valorização do trabalho e na justiça tributária. O fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento é condição essencial para enfrentar as múltiplas transições – tecnológica, ambiental, demográfica e geopolítica — que desafiam o País.
A reforma tributária progressiva, o investimento em educação e formação profissional, a expansão das políticas de emprego e a regulação das plataformas digitais de trabalho são instrumentos-chave. A experiência recente do Brasil, com a retomada do Bolsa Família, o novo PAC, a Nova Indústria Brasil, a Lei de Igualdade Salarial, a reforma tributária e o reajuste da tabela do imposto de renda e tributação dos super-ricos, entre outras políticas, indica que há um caminho possível para o crescimento inclusivo. Contudo, ele depende de planejamento de longo prazo, de estabilidade institucional e do diálogo social permanente.
Crescimento sustentável e desenvolvimento inclusivo
O combate às desigualdades está intrinsecamente ligado à sustentabilidade do crescimento econômico. O relatório mostra que as políticas de emprego e de redução da pobreza contribuíram para tirar o Brasil do mapa da fome, mas o desafio é consolidar esses avanços. A convergência entre as dimensões econômica, social e ambiental é o caminho para o desenvolvimento sustentável.
A transição ecológica e a economia verde oferecem oportunidades de novos empregos e de reindustrialização baseada em sustentabilidade, inovação e inclusão. Para que o crescimento seja sustentável e distributivo, é necessário combinar produtividade, justiça social e proteção ambiental — pilares de um novo contrato social para o trabalho no século XXI.
As desigualdades brasileiras, embora apresentem sinais de redução em alguns indicadores, são estruturais e exigem um longo percurso de políticas ativas para sua superação.
O mundo do trabalho é o espaço onde essas assimetrias se manifestam de forma muito evidente. A superação desse quadro exige uma estratégia nacional de desenvolvimento que articule crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental.
O fortalecimento do Estado, a ampliação do diálogo social e a valorização do trabalho são elementos essenciais para que o País avance rumo a uma sociedade justa e igualitária. O desafio está em transformar os avanços conjunturais em políticas estruturantes, capazes de romper com o ciclo histórico de exclusão e desigualdade que ainda marca o Brasil.
*Clemente Ganz Lúcio é coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do Dieese.
As desigualdades sociais constituem um traço histórico e estrutural da formação econômica e social brasileira. Desde o período colonial, a distribuição desigual de terras, poder e renda consolidou uma sociedade marcada por assimetrias persistentes. Apesar de avanços institucionais e democráticos nas últimas décadas, as desigualdades permanecem como um dos principais entraves ao desenvolvimento nacional.
O Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades 2025, produzido pelo Pacto de Combate às Desigualdades, evidencia esse quadro, oferecendo uma síntese abrangente de indicadores econômicos e sociais que revelam, ao mesmo tempo, progressos importantes e a persistência de iniquidades profundas.
Este artigo busca examinar como essas desigualdades impactam o mundo do trabalho, analisando os efeitos sobre o emprego, os salários, a informalidade e as oportunidades produtivas, e discutindo o papel do Estado e das políticas públicas na redução dessas disparidades.
Desigualdades estruturais no Brasil
As desigualdades brasileiras estão enraizadas em processos históricos de exclusão social e econômica. O legado escravocrata e a tardia urbanização moldaram um padrão de concentração de renda e de acesso desigual a direitos.
O Relatório de 2025 confirma que, embora o rendimento médio tenha crescido 2,9% entre 2023 e 2024, a renda dos 1% mais ricos ainda é 30,5 vezes superior à dos 50% mais pobres.
Essas disparidades são reforçadas por um sistema tributário regressivo, que penaliza os mais pobres e beneficia as faixas de renda mais altas. Ao longo das últimas décadas, políticas de transferência de renda e valorização do salário mínimo reduziram parcialmente a pobreza, mas não alteraram substancialmente a estrutura de concentração de riqueza.
As desigualdades no mundo do trabalho
O mercado de trabalho é um dos principais espelho das desigualdades estruturais. O Relatório mostra que a taxa de desocupação caiu para 6,6% em 2024, com melhora significativa entre mulheres e população negra. Entretanto, as diferenças permanecem elevadas: as mulheres recebem em média 73% do rendimento masculino, e as mulheres negras apenas 43% da renda dos homens não negros.
Essas desigualdades estão associadas à segmentação ocupacional, à informalidade e às barreiras de acesso à qualificação e à progressão profissional. Mesmo com o aumento do rendimento médio e a ampliação do emprego formal, a qualidade do trabalho e a proteção social ainda carecem de fortalecimento. A OIT e o Dieese têm reiterado que a informalidade e o subemprego continuam sendo fatores de vulnerabilidade social e econômica no País.
Gênero, raça e território: interseções da desigualdade
As desigualdades de gênero e raça estruturam o mercado de trabalho brasileiro. A interseccionalidade dessas dimensões mostra que as mulheres negras permanecem nos postos mais precários e com menores salários.
O Relatório revela que o rendimento das mulheres negras, embora tenha crescido 5,2% em 2024, ainda é menos da metade do dos homens não negros. A exclusão educacional e a violência institucional agravam esse quadro.
No campo territorial, persistem profundas disparidades regionais: o Nordeste e o Norte concentram as piores taxas de emprego, menores rendimentos e maior informalidade. As desigualdades regionais também refletem desequilíbrios na infraestrutura, no investimento público e nas políticas de desenvolvimento regional.
Políticas públicas e o papel do Estado
A redução das desigualdades exige políticas públicas robustas, com foco na redistribuição de renda, na valorização do trabalho e na justiça tributária. O fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento é condição essencial para enfrentar as múltiplas transições – tecnológica, ambiental, demográfica e geopolítica — que desafiam o País.
A reforma tributária progressiva, o investimento em educação e formação profissional, a expansão das políticas de emprego e a regulação das plataformas digitais de trabalho são instrumentos-chave. A experiência recente do Brasil, com a retomada do Bolsa Família, o novo PAC, a Nova Indústria Brasil, a Lei de Igualdade Salarial, a reforma tributária e o reajuste da tabela do imposto de renda e tributação dos super-ricos, entre outras políticas, indica que há um caminho possível para o crescimento inclusivo. Contudo, ele depende de planejamento de longo prazo, de estabilidade institucional e do diálogo social permanente.
Crescimento sustentável e desenvolvimento inclusivo
O combate às desigualdades está intrinsecamente ligado à sustentabilidade do crescimento econômico. O relatório mostra que as políticas de emprego e de redução da pobreza contribuíram para tirar o Brasil do mapa da fome, mas o desafio é consolidar esses avanços. A convergência entre as dimensões econômica, social e ambiental é o caminho para o desenvolvimento sustentável.
A transição ecológica e a economia verde oferecem oportunidades de novos empregos e de reindustrialização baseada em sustentabilidade, inovação e inclusão. Para que o crescimento seja sustentável e distributivo, é necessário combinar produtividade, justiça social e proteção ambiental — pilares de um novo contrato social para o trabalho no século XXI.
As desigualdades brasileiras, embora apresentem sinais de redução em alguns indicadores, são estruturais e exigem um longo percurso de políticas ativas para sua superação.
O mundo do trabalho é o espaço onde essas assimetrias se manifestam de forma muito evidente. A superação desse quadro exige uma estratégia nacional de desenvolvimento que articule crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental.
O fortalecimento do Estado, a ampliação do diálogo social e a valorização do trabalho são elementos essenciais para que o País avance rumo a uma sociedade justa e igualitária. O desafio está em transformar os avanços conjunturais em políticas estruturantes, capazes de romper com o ciclo histórico de exclusão e desigualdade que ainda marca o Brasil.
*Clemente Ganz Lúcio é coordenador do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do Dieese.
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